terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Tratamento contra diabetes ataca mal de Alzheimer, mostra estudo brasileiro

Insulina e substância que a potencializa protegem conexões cerebrais.

Desafio é aplicar efeito protetor no cérebro de pessoas com a doença.
Reinaldo José Lopes Do G1, em São Paulo

A insulina, essencial para manter o equilíbrio do açúcar no sangue e usada para tratar o diabetes, também pode se revelar uma arma importante contra o mal de Alzheimer, doença letal que ataca o cérebro de idosos e ainda não tem cura.
A suspeita já existia, mas um trabalho capitaneado por pesquisadores brasileiros demonstrou em detalhes a capacidade protetora da insulina.
Quando ela chega até os neurônios (células nervosas), consegue proteger as conexões entre eles dos efeitos nocivos da molécula que causa o mal de Alzheimer.

À esquerda., neurônio exposto aos causadores do mal de Alzheimer, com número reduzido de sinapses (conexões nervosas); à direita., o tratamento com insulina protege o neurônio da ação dos oligômeros, mantendo suas conexões (Foto: Divulgação)

"Já se conhecia a correlação clínica entre a deficiência de insulina, comum no diabetes, e a doença de Alzheimer", explicou ao G1 a neurocientista Fernanda De Felice, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
"Começaram os testes clínicos para tentar tratar a doença com insulina. Mas ficou um buraco no conhecimento -- não se sabia qual era o efeito positivo dela sobre os neurônios.
Esse nosso trabalho preenche a lacuna", afirma De Felice, que assina a pesquisa na edição desta semana da revista científica "PNAS", ao lado dos brasileiros Sergio Ferreira, Marcelo Vieira, Theresa Bomfim e Helena Decker, além de colegas dos Estados Unidos.
Usando neurônios cultivados em laboratório, os pesquisadores foram à raiz molecular do mal de Alzheimer, os agregados de um peptídeo (fragmento de proteína) conhecido como beta-amilóide. Essa molécula se junta em pequenos conjuntos, com algo entre três e 20 peptídios idênticos, e interfere, entre outras coisas, com as conexões que se formam entre as células nervosas.
Com tais ligações neuronais bagunçadas, a formação de memórias se torna impossível, o que explica a amnésia típica dos pacientes de Alzheimer.
Por outro lado, pesquisas recentes demonstram que a insulina, hormônio famoso por controlar o nível de açúcar no sangue, faz muito mais do que isso no organismo.
"Ela é importante na formação de memórias, conceito que ainda não foi bem assimilado nem mesmo nas faculdades", diz De Felice.
Esperar que ela tivesse efeito protetor contra o mal de Alzheimer é até um passo lógico, portanto, mas o problema era o "como".
Os experimentos com a cultura de neurônios mataram essa dúvida.
O que acontece é que a insulina protege as conexões entre as células fazendo com que sumam os receptores dos conjuntos de beta-amilóide.
Receptores são como fechaduras químicas, que permitem a interação entre a célula e determinada molécula -- dessa forma, deixava de ser possível a ligação entre os grupos de beta-amilóide e os neurônios, preservando as conexões entre eles.
A recíproca também é verdadeira: a molécula-vilã faz desaparecer os receptores de insulina nas células.
Os pesquisadores verificaram ainda que a rosiglitazona, um medicamento usado para tratar diabetes que deixa o organismo mais suscetível à ação da insulina, potencializa o efeito protetor do hormônio contra a destruição de neurônios.

Rumo à terapia

Segundo De Felice, os achados em laboratório são um passo importante, embora preliminar, para tentar usar o conceito de forma terapêutica.
"O próximo passo é estudar a situação em camundongos transgênicos [geneticamente modificados para desenvolver um problema análogo ao mal de Alzheimer de humanos]", diz ela. A pesquisadora também alerta quanto ao uso indiscriminado da insulina.
"Não adianta a pessoa ir até a farmácia para injetar insulina num parente idoso, por exemplo.
O efeito pode até ser o oposto", explica.
Um dos problemas possíveis é que a substância precisa atravessar a barreira natural que existe entre o sangue e o cérebro.
O excesso de insulina na circulação poderia levar ao fechamento dessa barreira, o que só pioraria a situação.
Os pesquisadores que vão testar a insulina contra a doença no exterior pretendem contornar o problema aplicando o hormônio por via nasal, de forma a atravessar mais facilmente a barreira sangue-cérebro.
Outro caminho seria usar a rosiglitazona, que aumentaria a ação de insulina sem manipular a quantidade dela no organismo, afirma Sergio Ferreira, coautor da pesquisa nacional.
Parcerias entre profissionais como estes (negrito), resultaram nesta importante informação.
Iniciativas como esta, recebendo o devido incentivo do governo federal e empresas privadas, colocarão o Brasil no topo do mundo.

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