quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Acúmulo de gordura no fígado pode evoluir para cirrose

Silenciosa, doença ligada a maus hábitos, como sedentarismo e dieta rica em carboidrato e frutose, pode evoluir para câncer de fígado e cirrose.

Natalia Cuminale

Até a década de 1980, acreditava-se que todo fígado com acúmulo de gordura e sinais de inflamação (hepatite) era causado pelo consumo de álcool. Hoje sabemos que não.

Em 1980, Ludwig descreveu com o nome esteato-hepatite não-alcoólica (nonalcoholoic steatohepatitis, NASH) uma síndrome caracterizada por mulheres obesas e diabéticas que negavam o uso de álcool, mas apresentavam alterações no fígado muito semelhantes a da hepatite alcoólica, com aumento do volume do fígado, alterações em exames laboratoriais e biópsias com macrovesículas de gordura nos hepatócitos, inflamação e lesões chamadas de corpúsculos de Mallory.

Cerca de 20% da população brasileira tem gordura excessiva no fígado, segundo estimativa da Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH). O problema, conhecido como esteatose hepática, já é uma das principais causas de cirrose no país e, se não for tratada, pode levar a um transplante do órgão.

Em geral, vem acompanhada de outras enfermidades ligadas ao aumento da taxa de obesidade da população brasileira, como diabetes, hipertensão, altas taxas de colesterol ruim, entre outras. A condição reduz a capacidade do corpo de responder a insulina, hormônio que ajuda a controlar os níveis de açúcar no sangue.

'Uma pessoa que começa a depositar gordura na barriga e no fígado desenvolve resistência a insulina', explica Edison Parise, chefe do serviço de hepatologia da Escola Paulista de Medicina. 'Esses pacientes tendem a evoluir para complicações da doença de base e também podem desenvolver ou piorar doenças coronarianas e diabetes', diz.

O diagnóstico pode ser feito a partir de um ultrassom do abdome e um exame das enzimas do fígado. Algumas pessoas são mais propensas a ter a doença. De acordo com Parise, 90% dos obesos mórbidos têm a doença hepática gordurosa não alcoólica.

Entre os diabéticos, a taxa pode chegar a 70%. Pessoas com sobrepeso têm três vezes mais chances de ter a doença do que aqueles com o peso normal. O especialista explica que é uma doença assintomática, que não causa nenhum tipo de desconforto ou sintoma visual.

Entre as possibilidades de tratamento, estão a adoção de hábitos saudáveis, como dieta e exercícios físicos, e até o uso de medicamentos que sensibilizam a ação da insulina.



SAIBA MAIS

O termo hepático se refere a fígado, portanto, esteatose hepática é igual a esteatose do fígado. Um dos nomes para esteatose hepática em inglês é 'fatty liver', que significa fígado gorduroso.

Nosso fígado possui normalmente pequenas quantidades de gordura, porém, quando esta ultrapassa 10% do peso hepático, estamos diante de um quadro de esteatose.

Uma esteatose hepática leve, normalmente não causa sintomas ou complicações. Porém, quanto maior e mais prolongado for o acúmulo de gordura, maiores os riscos de lesão hepática.

Quando há gordura em excesso e por muito tempo, as células do fígado podem sofrer danos, ficando inflamadas. Este quadro é chamado de esteato-hepatite ou hepatite gordurosa. Se não tratado, pode evoluir para cirrose.

Portanto, a esteatose hepática é um estágio anterior ao desenvolvimento da esteato-hepatite, que é um dos vários tipos de hepatite.

A principal causa de esteato-hepatite é o consumo de bebidas alcoólicas. Em geral, dividimos os casos entre esteato-hepatite alcoólica e esteato-hepatite não alcoólica.

Não se sabe exatamente porque alguns indivíduos desenvolvem esteatose hepática, mas algumas doenças estão claramente ligadas a este fato. Podemos citar:

Obesidade. Mais de 70% dos pacientes com esteatose são obesos. Quanto maior o sobrepeso, maior o risco.

Diabetes Mellitus. Assim como a obesidade, o diabetes tipo 2 e a resistência a insulina também estão intimamente relacionados ao acúmulo de gordura no fígado.

Colesterol elevado. Principalmente níveis altos de triglicerídeos.

Drogas. Várias medicações podem favorecer a esteatose, entre as mais conhecidas estão: Corticóides, Estrogênio, Amiodarona, anti-retrovirais, Diltiazen e Tamoxifeno.

Desnutrição ou mesmo uma rápida perda de grande quantidade de peso.

Cirurgias abdominais. Principalmente 'bypass gástrico', retirada de partes do intestino e até cirurgia para remoção da vesícula.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

A população desconhece a existência dessa doença?

Sim, a maioria não sabe nada sobre isso. O pior é que até mesmo que os nossos colegas endocrinologistas, especialistas em diabetes e nutricionistas também não estão totalmente informados sobre a doença. Acredito que tivemos algum progresso de dez anos pra cá, mas ainda há muito a ser feito em termos de educação, tanto para os hepatologistas quanto para os médicos de outras especialidades.

O que eles precisam aprender?

Basicamente, temos que ensiná-los que o fígado pode ser danificado pela resistência à insulina e que por isso nós precisamos procurar pelos problemas que podem ocorrer no fígado, principalmente em pessoas que estão com sobrepeso, têm diabetes, alterações no colesterol ou estão hipertensos. É preciso deixar claro que eles precisam procurar por essa doença que não têm sintomas e mostrar a eles quais são as formas simples de diagnosticar isso.

Para a população, qual a melhor forma de prevenir esse problema?

O melhor jeito de prevenir é evitar o ganho de peso. É preciso deixar o sedentarismo e ser ativo, no caso da prevenção primária. Além disso, é preciso procurar o médico e controlar as outras doenças associadas, como diabetes e dislipidemia.

Quais alimentos as pessoas não devem comer?

Uma dieta rica em frutose, com líquidos como sucos de frutas e refrigerantes pode ser perigosa. As gorduras-trans, gordura saturada e comidas processadas também estão relacionadas a um aumento de esteatose hepática e esteato-hepatite não alcoólica. Além disso, o conselho que deve ficar na mente das pessoas é que elas não devem comer muito para que não ganhem muito peso.

Quando os médicos devem começar a tratar?

Acredito que se, após seis meses, a situação do fígado não melhorou com mudanças de hábitos, como prática de exercícios físicos e dieta saudável, é preciso considerar um tratamento específico para o fígado. No caso de pessoas que já estão tentando perder peso há cinco ou dez anos e não têm nenhum sucesso, não há porque esperar mais seis meses para iniciar um tratamento medicamentoso.

Drogas antiobesidade podem ajudar no tratamento dessa doença?

Teoricamente, sim. Mas não há muitas drogas para o combate da obesidade no mercado. E as poucas que nós temos não possuem um perfil seguro. Com exceção, do Orlistat, que ainda está no mercado, todas as outras foram derrubadas na Europa - como o rimonabant e a sibutramina, além das outras drogas que são sendo consideradas ineficazes. Então, não temos muitas opções nesse sentido. A esperança é encontrar drogas que mirem diretamente a inflamação do fígado e que não tenham efeitos colaterais. Por enquanto, vários componentes farmacológicos estão sendo testados

Vlad Ratziu (Especialista em doença hepática gordurosa não alcoólica da Unversidade de Nice, na França)

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